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do obvio ao avesso
tenho 30 anos, meus trinta anos não me tem
sábado, 4 de junho de 2022
quinta-feira, 3 de março de 2022
sobre conversas na caverna
A maldita caverna de pedra.
Tem catarata a desgraçada, mas vê tudo.
Maldita porque eu sempre acabo aqui, independente do
universo.
Maldita porque nada bom acontece dentro dessas paredes rochosas.
Só
tragédia.
Tem essa parte da minha cabeça que repensa e remodela e reescreve esse
lugar, e toma interesse demais em contemplar o ponto em que as coisas explodem e
acabam.
Tem essa parte da minha cabeça que está sempre aí dentro, vivendo o caos
como se fosse cinema.
Ela está esperando, claro, desde aquele dia.
Em pé.
Um
pensamento idiota passa pela minha cabeça: coitada da velha, em pé esse tempo
todo porque você ficou evitando essa conversa.
Sim, você evitou a conversa.
Chama de depressão, de preguiça, de falta de tempo, do que quiser.
Mas quais
outros motivos você tinha pra não deixar esse diálogo fluir?
Não é medo.
Medo
talvez seja uma palavra forte.
Talvez não seja todo aquele espetáculo que a
gente criou aqui dentro, não é?
Talvez não soe tão alto quanto imaginamos.
Talvez não reflita a bagagem toda que você carrega pra lá e pra cá.
Talvez não
cause palpitações, não faça ninguém arfar por ar ou pedir um tempinho pra
respirar.
A verdade é que você espera ser esfolada viva e qualquer coisa abaixo
disso vai te deixar desapontada.
Teve aquele discurso que você fez, sobre o que você diria num círculo de pessoas que tem histórias potentes
e interessantes para contar sobre elas mesmas: "Todas as coisas dramáticas que
vivi aconteceram dentro da minha cabeça".
Deixa ela falar, vai que pelo menos
vira a próxima música que você vai escrever.
Ela te olha com aquele olharzinho
de senhora indefesa, que já passou da idade de achar que precisa segurar
qualquer tipo de comentário.
Tem gente que chama de demência, eu chamo de
liberdade hedônica.
"Olha o corpo dessa menina, até que é jeitosinho. Cintura
fina, quadril largo" ela começa dizendo, como se estivesse falando com uma
terceira pessoa na caverna.
Eu fico em silêncio.
Aquilo me incomoda e eu sei o
porquê.
Não é uma afirmação limpa, não é algo que leva em consideração o corpo
que eu tenho de verdade, ou a definição de "jeitosinho" que ela tem em mente.
É
a distorção de uma realidade para tentar dar valor a um corpo que ela vê como….
não digno.
Mas ela me ama, então esse corpo precisa se achar nas meias palavras,
nas divagações em semelhanças, na sombra do que é, realmente, belo e válido.
"Só
precisava perder uns quilos" é o que ela - ela mesmo, a mulher, a senhora - não
fala.
Mas é o que ecoa de todas as outras, invisíveis, que estão ao seu redor.
Eu quero dizer que é absurdo colocar o valor ou mesmo desqualificar a existência
de alguém baseado em seu corpo ou na constituição de gordura dele.
Eu quero
mesmo.
Ensaio essa frase.
Não digo na frente do espelho.
Porque o que eu falo é,
na verdade: "Tenho me cuidado".
"Não tem cuidado o bastante, se é assim que você
está hoje".
"Tenho ido à hidroginástica 5 vezes por semana"
"Mentira, hoje não
foi. Tá vendo?"
"Hoje eu tenho terapia".
"É desculpa, né? Podia ter ido às 7h40"
"Funciono melhor de noite"
"E a alimentação? Tem que cortar as besteiras"
"E a alimentação? Tem que cortar as besteiras"
"Eu
como bem, tenho comido bastante salada"
"Eu vi esse chocolate que você tem na
bolsa"
Eu vi esse chocolate que você tem na bolsa. Eu vi esse energético com
açúcar. Eu vi a balança que não marca seu peso. Eu vi a roupa que você teve que
devolver. Eu vi o prato que você terminou. Eu vi o pensamento que você teve.
Eu. Vejo. Tudo.
Vê até o fato de que ontem, às 18h50, depois de passar um dia todo sem comer
nada, pedi uma tapioca de queijo.
Ela viu.
Eu senti seu olhar.
Eu senti o
julgamento.
E enquanto eu engolia aquilo formava uma bola na minha garganta. No
meu estômago. No meu peito.
Virava toxina que queria ser expelida.
Virava peso,
de gordura, de palavra, de sentimento, de pensamento.
Virava peso.
Um peso que
eu não quero carregar.
E que faz ela sorrir… toda vez que eu coloco pra fora.
Mas quando ela sorri…. Quando ela sorri não acaba.
Porque ela vê tudo.
E sempre
tem a próxima tapioca. O próximo energético. O próximo prato inteiro.
E eu
preciso manter o sorriso ali, preciso manter os dentes dela ocupados.
Preciso
manter a língua seca dela de se mexer e falar.
Daquele jeito que ela acha que é
só verdade e carinho e nada mais.
"Você, do jeito que é, não vale a pena".
sexta-feira, 10 de setembro de 2021
about the tiny dragon
The house is really quiet this morning. Someone took the candle I lit for you and put it on a little plate. Whoever it was, they didn’t dare blowing it out, even though I was sleeping and it could burn the house down.
Because they knew it was for you.
Do you hate me because I was trying to go into a call meeting when it happened?
Do you still love me like you always did, all this time?
You were this little tiny annoying creature, who farted every 3 seconds and peed everywhere, and I loved you through caramel and white.
Love is funny… I wouldn’t have traded clean corners free of pee over those 17 years. I wouldn’t trade this awful feeling in my heart over those 17 years.
You made it better. You were the one who taught me to say I love you out loud.
You were always there, and now the house is quiet.
I hope you are playing with Scooby and annoying the crap out of him, wherever you two are.
I miss you a lot, little dragon.
terça-feira, 14 de julho de 2020
about winter
I’m living winter barefooted
I step on it.
I step on the ice.
And I feel it burn
I can see the little splits and cracks on the sole of my feet.
And I can feel my skin turning blue.
The news a r r i v e s
I sit, I take my feet off the ground.
For just one second,
I see the damage.
And then I stand again.
There’s no holy ground for the anxious mind.
There’s no holy soil for feet that are afraid.
Just the imperfectly protection
Of our prayers.
segunda-feira, 11 de maio de 2020
sobre lutos
era 14 de março de 2018.
senti luto por alguém que não conheço.
luto confuso e deformado.
vindo de lugar sem nome,
pousando num espaço, em mim
- que nunca havia sido preenchido,
mas que de alguma forma, agora,
estava anormalmente vazio.
não vazio de silencio
não vazio de escuro
violentado
amedrontado
desmembrado.
olhei de canto
o pranto coletivo
e me vi pária
por não saber
de quem era o rosto e de onde vinham os gritos.
o nome, percebi,
dá forma.
e o nome dela eu só soube no fim.
foi 8 de maio de 2020
senti luto por alguéns que não conheço
luto contido e estrangulado
vindo de lugar que começa a ter nome,
pousando na minha pele que agora tem buracos
cavados
com cruzes simbólicas.
esse pensamento não tem fim
nem tem a dor
de gente que encara o vazio
e reconhece nele
um rosto ou dois
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