sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Dos diálogos que não acontecem




Querida diário,

Hoje choveu o dia todo. Aquela chuvinha gelada, fininha e cinza. O céu parecia feito de pó de ferro. Eu olhei para a serra, como sempre, e só consegui enxergar metade do caminho.

Peguei o suéter de lã preta do fundo do armário. Aquele comprido demais, que faz eu me sentir enrolada em um monte de cobertas. Também faz eu me lembrar de casa. Da segurança das paredes do meu quarto. Do meu pai a um grito de distância. Da minha mãe fazendo chazinhos de fruta e minha irmã pedindo abraços. Faz eu me sentir sozinha.

Mas combina com o tempo. Com as poucas pessoas que passam pela avenida com seus guarda-chuvas. Com as poças de água gigantes que se formaram na frente da porta. Pisei em várias delas, aliás.

É tudo tão ameno que eu quase me sinto envergonhada por não ser, também, amena. Por deixar que os discursos formem-se na minha cabeça com tanto fervor. Que os arrependimentos exalem de minha pele como um perfume recém borrifado. E me calo.

Quando ela me diz que é como eu, me limito à sorrir. Não levanto a voz, tão pouco despejo minhas palavras sobre sua mente fragilizada. Não lanço-lhe nenhum alerta. Deixo que ela prove e descubra por si só.

Podia salvá-la, podia ampará-la. Mas me desloco de mim mesma, e aproximo-me da suavidade. É suavidade, afinal de contas, que faz de uma pessoa agradável.

O outro lado do meu cérebro, o que veste preto todo dia, e que vive em chamas, sem ligar ou pensar em amenidades, grita algumas palavras indelicadas. Ele cria um diálogo em minha cabeça. E nesse diálogo, eu seria objetiva e deselegante.

- Eu não levo em conta o que sinto ou desejo. O importante é que ela decida por si só.

- Eu já fui assim, como você. Já considerei uma pessoa mais importante que eu mesma, já coloquei as necessidades dela na frente das minhas. Calei minhas palavras quando achei que fosse feri-la. Aceitei suas insinuações, interjeições e declarações sem ligar para o fato de que, a cada cutucão, abria-me uma cicatriz, e criavam-se novas feridas.

- E o que aconteceu?

- Deixei de amá-la. Eventualmente, aquilo que nos machuca desperta um tipo de ódio dos mais primais.

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