terça-feira, 11 de setembro de 2012

Sobre o karma


Por: Renée



A sala estava aparentemente vazia. Um silêncio opressivo imperava, o barulho de meu próprio passo cardíaco e respiração faziam-se presentes. Era tudo muito escuro, empoeirado e desconhecido.

O cômodo era longo e retangular. Em uma das extremidades, bem no centro da parede amarelada, uma pequena escada-caracol subia timidamente do chão de pedra - ela, também, era feita de pedra - e terminava poucos degraus depois, em um patamar e, finalmente, em uma porta. A única porta visível naquele lugar. Ela parecia trancada.

O local era preenchido por prateleiras de madeira escura, baixas e abarrotadas de livros e outras coisas que eu não ousaria adivinhar o que, de fato, eram. Havia apenas uma janela desobstruída - a luz do pôr-do-sol vazava pelo vidro riscado, pintando a superfície dos móveis e dos objetos de dourado. Um dourado quente, reconfortante e distrativo.

Eu estava no fundo. Sentada em uma das carteiras antigas que formavam duas longas fileiras pela sala. Passei o dedo pelo coração cravado no tampo da mesa de madeira. As letras "J" e "V" marcadas dentro da figura.

Para falar a verdade, eu não fazia ideia do que estava fazendo ali. Ou de como havia chegado. Mas não estava alarmada. Pelo menos ainda não.

Noto o fundo espelhado da prateleira à minha esquerda e logo vejo olhos grandes, escuros e redondos me encarando. Meus cabelos caem soltos pelos ombros, em cachos grandes e não uniformes. O que raios estou vestindo?

Me desvencilho da carteira, tropeçando no tecido preto e grosso que me envolve. Não tenho tempo de contemplar a peça, ou entender do que se trata. Imediatamente, sei que estou sendo observada - a sensação de ter olhos grudados à suas costas é inconfundível. Meu corpo gira no lugar sem considerar o que poderia encontrar do outro lado.

É uma mulher. Ela está em pé, parada há vários metros de distância. É alta, muito magra e branca, tem cabelos loiros. Por um segundo, penso em dizer "oi". Mas então vejo sua expressão...

Não sei bem como descrever a expressão. Palavras como "maliciosa", "desagradável" e "assustadora" passam pela minha cabeça, mas elas não são boas o bastante, não alcançam o tipo de emoção que aquele rosto transmite. Seus lábios se contorcem numa espécie de sorriso, e então se abrem num formato oval, um "O" quase perfeito.

Posso ouvir o som de sua voz, muito embora aquilo, de forma alguma, possa ser chamado de voz. É um gemido estralado e arrastado. Um assovio engasgado muito característico de pessoas que sofrem de asma. Mas é claro que isso não tem nada a ver com asma. O som se espalha e se arrasta pelo cômodo, atingindo as paredes e voltando como eco. É tão alto que eu penso em me abaixar e, quem sabe, ficar em posição fetal até tudo isso acabar.

Ao invés disso, eu só dou um passo para trás, alerta.

Obviamente, eu tenho algumas dúvidas vitais - onde eu estou? O que eu estou fazendo aqui? Quem é essa pessoa? O que é esse som que ela está produzindo? Porque ela fica me olhando dessa forma? Naturalmente, nenhuma delas é propriamente respondida.

Como se eu tivesse perdido vários minutos da minha vida sem perceber, a mulher está muito próxima a mim. Tão próxima, em tão pouco tempo, que eu dou um pulo involuntário para trás e me choco contra outra carteira. Escorrego e arrasto o objeto comigo para o chão quando caio.

A mulher abaixa o torço em minha direção e eu posso ver seu rosto de perto. Não há mais globos oculares - ou talvez nunca tenha havido. Lá de dentro, vagarosamente, começa a escorrer um líquido preto e gosmento. O cheiro é forte - como graxa e também algo azedo. O mesmo líquido passa a escorrer dos ouvidos dela e da boca. Algumas gotas escorrem pelo nariz.

Seguro a cadeira com todas as forças e a jogo contra a mulher. Não estou mais pensando. Apenas agindo.

A cadeira colide certeiramente contra a cabeça dela. E, por um segundo, acho que não fez efeito nenhum. Mas logo ela está no chão. Os braços abertos ao lado do corpo de um jeito vencido.

Levanto-me e, sem pensar muito sobre o assunto, adianto-me para a porta. Quando alcanço a maçaneta, ouço o som novamente. Lá, do outro lado da sala, a moça recomeça seu chiado.

Faço uma besteira, por impulsividade. Viro-me, e ela está há centímetros de mim. Os braços esticados grudam em meu pescoço e eu vejo, pela primeira vez, quem ela é.

Consigo bater a porta contra a mão dela até que ela desiste do meu pescoço, e eu a tranco lá dentro.



Quando eu finalmente acordo, sei que é tarde demais. Uma trilha de sangue corre pela cama, partindo do espaço entre as minhas pernas.
 




4 comentários:

  1. Os contos insanos voltaram. Vou ter pesadelos com isso, certeza.

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  2. Recentemente, sonhei que vestia uma roupa estranha, um vestido feito de raízes. Eu mal me movimentava. Acho que sonhei que era árvore, mas, inacreditavelmente, isso me deu muito medo.
    Abraços.

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