quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Sobre o relato de Halloween




Image by: Vampynella



Uma amiga, ao ler um dos meus contos, disse que a narrativa a lembrava de Neil Gaiman. "Sandman?" eu perguntei. "Coraline", ela respondeu. E eu fiquei curiosa, pois embora conhecesse o nome, e algumas adaptações de filmes, eu nunca tinha lido Neil Gaiman. Eis que essa amiga me presenteou com o volume um e dois de "Coisas Frágeis", do próprio, no meu aniversário daquele ano.

No segundo volume há um conto chamado "O Cascalho da Ladeira da Memória" - um relato que me apavorou de forma ilógica, graças a uma breve descrição de um fantasma cigano de sorriso desagradável. Ele explica no conto que uma das coisas que mais gosta ao contar histórias, é que elas têm começo, meio e fim. E para tudo há, de certa forma, uma explicação.

Para Gaiman, o problema com aquele conto, em especial, é que ele era real. E a realidade, infelizmente, é insatisfatória. O meu relato de Halloween também é insatisfatório, pelo mesmo motivo: eu posso lhe contar o que aconteceu e até os detalhes sobre como me senti, e como tudo - até as folhas das árvores - pareceram reagir. Mas não posso dizer o que realmente aconteceu, pois eu não faço ideia.

Era fevereiro, primeira semana de aulas na Universidade. Eu estava trabalhando até muito tarde por causa da Semana de Recepção de Alunos e meu pai não conseguia ficar acordado até o horário de me buscar, então voltei para casa de ônibus naquela semana. O meu ônibus é um caso clássico do Transporte Público de Mogi das Cruzes - passa de ano em ano e dá a volta em todo o universo antes de chegar à tão dita Vila Suíssa, que está no letreiro luminoso.

Mas lá estava eu, às 23h30, num ponto mal iluminado da Rua Maria Boz Vidal. Do ponto de ônibus até a minha casa são apenas cinco minutos, mas o caminho não é dos melhores. São duas ruas e uma viela desertas, com três postes de iluminação, intercalados, que não funcionam.

Eu estava ouvindo música e o som estava bem alto nos fones de ouvido. Eu não lembro o que estava ouvindo, apenas que era uma música agitada. O tipo de som que me irrita, quando preciso prestar atenção em qualquer outra coisa. Então, quando eu senti que tinha algo me seguindo, eu tirei os fones e desliguei a música. A sensação de ser seguida é bem distinta. Como se o nosso corpo tivesse um aviso de perigo. Um alarme que é impossível de ignorar quando disparado.

Olhei para os lados, para trás, para frente e para cima. Tudo parecia deserto. Até as janelas das casas. As únicas luzes vinham dos postes, e eu estava prestes a entrar em uma área escura - uma esquina com casas sinistras, sem quintais, cujo poste funciona apenas quando lhe é conveniente.

Foi aí que os cães da vizinhança começaram a latir. Eles sempre latem para mim, portanto não me alarmei. Não inicialmente. Mas então os latidos ficaram mais raivosos e quase assassinos. O nome "cujo" chegou a passar pela minha cabeça, mas eu resolvi prender a respiração e passar de uma vez por aquele lugar assustador.

Havia um carro estacionado no canto da rua, ao lado esquerdo. Ele estava vazio, e era o único carro por lá. A viela é inclinada e muito íngreme, portanto não é muito movimentada. Os carros preferem dar a volta por outras ruas. Mas naquele momento, um caminhão resolvera passar por lá. Eu estava no meio da rua e me apressei em correr para o canto, junto ao carro estacionado. O caminhão tinha as lanternas acesas e, por alguns segundos, enquanto ele passava por lá, tudo ficou iluminado.

Inclusive o interior do carro, no instante em que eu passava ao lado dele, bem na altura do banco do passageiro, na frente. A luz bateu no vidro e revelou uma pessoa sentada lá. Era um homem e ele parecia muito normal. Exceto pelo fato de que, no lugar em que o rosto geralmente fica não havia nada. Nada.

Aquela grande extensão de pele estava virada para mim e eu o vi colocar a mão no vidro, como se tentasse me alcançar. Aqueles segundos que o caminhão levara para passar pelo local pareceram uma década, e eu não tinha ideia de quanto tempo eu havia passado olhando lá para dentro. Mas então o caminhão se fora. E tudo ficara escuro novamente.

E eu senti medo. Eu senti muito medo. E fiz a única coisa que podia fazer - sai correndo de lá, o mais rápido que consegui. Passei por uma parede coberta de coisas que pareciam lesmas. Lesmas enormes. E continuei correndo. Até que estava em casa.

Eu nunca consegui descobrir o que era aquilo, mas ainda lembro do instinto me dizendo para correr. Da sensação animalesca que aquela visão causava. Um medo quase congelante. Por sorte, nas muitas vezes que passei novamente por lá, não havia nada na rua.



6 comentários:

  1. Jú, você e seu dom de me deixar morrendo de medo! D: Nunca mais vou pra sua casa a noite e sozinha!!!

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    1. Você nunca vai pra minha casa de noite sozinha de qualquer jeito, rs. Mas é na rua de cima, você não passaria por lá. A não ser que quisesse, huhuhu

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  2. Acredito que nossos instintos nunca erram. O instinto enxerga o perigo. Jamais passei por uma situação dessas, mas imagino o terror que lhe invadiu. Um medo desconcertante do desconhecido. Mas e quando nossos olhos mentem para nós mesmos?
    Abraços.

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  3. Sempre que uma luz do poste apaga quando passo eu lembro de quando você me contou isso. Um calafrio sempre teima em passar pela nuca só pra ajudar.

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    1. Por sorte, eu sei bem que calafrio nenhum interrompe seu sono, hauahuahauha.

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