quarta-feira, 14 de julho de 2010

Wonderwall

"...There's a lot of things that I would like to say to you, but I don't know how"






Ela parou um segundo para observar as grandes manchas de musgo que subiam pelas paredes. Sentia o cheiro de relva úmida invadir-lhe os sentidos.
Podia fazer qualquer coisa. Sabia. Qualquer coisa que pudesse imaginar.
Às vezes sofria de falta de imaginação. Era um problema crônico, mas não perene.

Tinha em mãos as canetas permanentes que comprara na loja ao lado de sua casa. Nunca achou que a usaria para qualquer coisa além de marcar CDs e o rosto de sua irmã mais velha. Estava enganada.

Aproximou-se do vidro espelhado, que refletia a luz fraca da manhã. Era uma antiga casa, abandonada pelo tempo na extensão mais afastada de sua cidade. Grades árvores a envolviam, quase como um muro de preservação das paredes restantes.
Não havia teto. As portas foram arrancadas e o chão e a base das paredes eram cobertas pela vegetação rasteira.
Afastou alguns pensamentos escuros de sua cabeça. Não estaria em perigo, desde que não imaginasse o perigo.

Tirou a tampa da caneta de cor preta e pôs-se a riscar. Pensava em criaturas, em animais, em monstros e em flores. Mas hoje não usaria sua habilidade para aquilo.
A figura montava lentamente um homem. O conhecia de seus sonhos.

Havia coisas sobre ele que não eram secretas. Sua camiseta branca, que às vezes era substituída por uma cinza. Seus olhos e cabelos negros, sua pele branca. O modo como arrastava a voz, mesmo quando não estava entediado. As unhas roídas e o controle sobre a matéria líquida. Nada disso era informação importante, julgava o alter-ego menos verbal.

Outras coisas, como a habilidade de constranger com um olhar prolongado, o sotaque levemente sulista, a cicatriz na palma da mão, feita acidentalmente em arame farpado, a rigidez de seus ombros e maxilar quando seu pai era mencionado, a preferência por bebidas virgens e chocolate meio-amargo eram, definitivamente, partes de Henrique que só ela tinha.

Mas as sensações que possuía impressas em sua memória, sem nunca antes vivenciar, eram aquelas pelas quais ela mais ansiava. A intensidade dos beijos verticais, terminados com suspiros, o jeito como afundaria o rosto em seus ombros, respirando junto a seus cabelos e mordendo levemente a base de seu pescoço momentos antes de explodir em êxtase. A violência explícita, jogada inconscientemente, quando perdia o controle de seu próprio corpo – até esta, pela qual sempre temera, ela esperava no plano real.

Sentiu-se cansada após derramar toda a consciência física e espiritual daquele personagem sobre a figura. Não haveria retrato mais semelhante.
Fechou os olhos. Era sua prova final. Antes de finalizá-lo, sentiu um jorro de expectativa nascer em seu estômago. Riu de seu despreparo.



Quando abriu os olhos... Lá estava ele.

Um comentário:

  1. Não sei porque, mas ele é uma mistura de Jesse da Mediadora, com Alcide de True Blood.

    Como já falei, fiquei surpresa com este conto. Muito mesmo.
    Ninguem morreu - ou pelo menos não vi isso - e o final foi magno.

    Espero mais desses.
    E a propósito, vamos postar nos blogs sobre os Lóriens?

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