terça-feira, 29 de maio de 2012

Sobre as pessoas e os beija-flores

Escrevi ouvindo a trilha sonora de Submarine



Há uma espécie brasileira de beija-flor que é capaz de bater as asas até 90 vezes por segundo. Esse pássaro é muito pequeno - alguns chegam a medir menos de sete centímetros e a pesar cerca de duas gramas. Seu canto é agudo e rápido. Tão rápido que por muito tempo acreditou-se que ele não emitia nenhum som.

Mas a característica mais impressionante do beija-flor é ser o único pássaro a voar para trás e permanecer parado no ar. Como se estivesse flutuando.
...

Não era o prédio mais alto da cidade, nem mesmo do quarteirão, mas servia ao seu propósito. Conseguia ver o céu. As estrelas. A linha do horizonte.

Toda a movimentação de pessoas e carros lá em baixo soava como um caos distante. Como som abafado por uma porta de vidro. Como o passado.

Tirou da bolsa os potes de tinta. Destampou-os e criou poças coloridas pelo chão. Soltou o cabelo, tirou os sapatos e jogou ao canto o casaco. Passou primeiro os pés descalços pela cor amarela. As palmas das mãos pelo azul. Os cabelos compridos e loiros pelo vermelho. E então se rendeu. Virou uma mancha. Uma criatura indefinida de forma. Cheia de cor. Intensa em partes e serena em outras. Era o céu ao por do sol, enquanto o próprio céu amanhecia.

Deitada no chão abriu os braços e deu boas vindas ao dia. Sentiu a tinta endurecer na pele e sabia que chegara a hora.

Há muito tempo cansara daquele acordo. Daquelas regras. Daquela perspectiva. Para lembrar remotamente da sensação de liberdade, costumava submergir em algum fluxo de água. Para parar no tempo e contemplar a vida, precisava tornar-se irrelevante. Para voar, tinha de fechar os olhos.
Naquele instante, disse adeus às memórias. Sem cerimônias, saltou do topo do prédio e sentiu-se cair e afundar rapidamente em uma queda fria.

Antes de tocar o chão, despiu-se da casca humana, que se chocou - gelatinosa - contra o asfalto. E saltou livre para o céu.

Quem passava por aquela rua, naquele instante, ouviu o som breve de seu canto.

6 comentários:

  1. Há toda uma beleza escondendo outro todo de tristeza. A comparação podia ir muito além das cores e do "voo". Podias bem escrever sobre cada detalhe da pena, dos braços, dos pesos.
    E mesmo por não ter feito isso, ler sobre as pessoas e os beija-flores deixa certa inquietação em mim.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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